a tertúlia na andaluzia com o sindicato de obreros del campo SAT/SOC
No
fim-de-semana do 5 de Outubro tivemos a oportunidade de visitar alguns
projectos andaluzes que se constituem com uma forma de organização
diferente da maioria daquilo que conhecemos, tendo como traço comum a
importância dada à organização democrática horizontal. Visitámos o SOC/SAT
(Sindicato de Obreros del Campo e del Medio Rural de Andalucia/
Sindicato Andaluz de Trabalhadores), o município de Marinaleda e a
cooperativa La Verde de Villamartín.
Partimos
de Lisboa no Sábado de manhã e chegámos a Benamahoma ao final da tarde,
onde ficámos alojad@s em casa de um companheiro conhecido de viagens
anteriores. Uma recepção calorosa e pouco depois já estávamos à volta da
mesa a beber vinho de produção local e a definir pormenores da nossa
visita.
Domingo visitámos o rancho do
Bartolo com as suas cabras, das quais retira o leite com que faz o
tradicional queijo. O Bartolo é um homem de 86 anos que apesar da idade
mantém intacta a lucidez política. Ele e o seu irmão, onze anos mais
novo, contam-nos aquilo que acham da actual crise económica, indo muito
além do que estamos habituad@s em terras lusas, através do questionar
profundo do papel da banca e dos partidos políticos na actual crise.
Para estes homens a especulação financeira, o papel da banca e do poder
político no despoletar da crise são evidências que conhecem e discutem
com profundidade exemplificando com o que se passou em Espanha. Depois
da visita ao rancho, descemos da montanha e rumámos a Cádiz. A tarde de
Domingo foi para visitar a cidade e apanhar sol na praia.
Na segunda-feira visitámos Marinaleda,
onde o compa Rafa nos conduziu numa visita à povoação, respondendo as
todas as nossas questões e abrindo-nos a porta de sua casa para que
pudéssemos ver como são as casas auto-construídas de Marinaleda.
Visitámos primeiro o Ayuntamiento, o orgão de poder local mais próximo
das populações, algo como a junta de freguesia em Portugal. Aquilo que
logo saltou à vista foi ver o gabinete do presidente, que em Portugal
muitas vezes está pouco acessível, situar-se mesmo à entrada, de porta
aberta. A sensação de proximidade e disponibilidade foi imediata. O
nosso guia disse-nos que mais que uma sensação, a proximidade das
pessoas com o governo da sua terra
é real, pois sempre que necessário são convocadas assembleias-gerais
para decidir sobre questões importantes no município. A qualquer pessoa é
permitida a participação na assembleia.
Em seguida visitámos a cooperativa, onde de momento se processam os pimentos, e depois a quinta El Humoso,
cujos 1200 hectares produzem tudo aquilo que a cooperativa vende,
maioritariamente pimento, alcachofra, azeitona, azeite. A mecanização é
evitada enquanto geradora de desemprego. Não deixam contudo de existir
algumas máquinas, pois a cooperativa compete no mercado livre, onde as
preocupações com o emprego e a qualidade de vida das pessoas são um
valor subalterno.
Apesar do que já dissemos noutros textos
sobre Marinaleda e o SOC, convém recordar que estes 1200 hectares que
dão trabalho a 500 pessoas com um salário diário de 47€ são geridos de
forma directa. Foram conquistados a um latifundiário que empregava
apenas quatro pessoas deixando as terras ao abandono enquanto a
população à volta morria de fome. Através da ocupação das terras e
subsequente luta, foi possível devolver a terra à população para
benefício de todos.
Ao voltarmos do
campo, fomos almoçar no bar da União Local do SOC. Debaixo de uma
aparência normal surgiam pequenos indícios de que algo diferente ali se
passa. Algumas pessoas envergavam camisetas, ou t-shirts, com frases
alusivas a outras lutas, como o caso dos Zapatistas no México. Se em
Portugal isto também acontece, não acontece certamente com pessoas
maduras do campo mas apenas com jovens activistas citadinos. Aqui, em
Marinaleda, o sonho contínua vivo em todos e presente na realidade
quotidiana. Outro indício foram os dois cartazes com informação alusiva à
povoação. Um abordava os Domingos Vermelhos em que a população se reúne
para trabalhar em conjunto em benefício da sua terra de acordo com o
decidido em assembleia. O outro era um Pai Nosso camponês, em que se
exaltava o amor à terra andaluza.
Findo o almoço, foi tempo de nos reencontrarmos com o Rafa para conhecermos as casas auto-construídas. Sendo ele um dos habitantes dessas casas, pode explicar-nos em primeira mão como funciona esta proposta habitacional. Qualquer pessoa que viva em Marinaleda há pelo menos quatro anos se pode candidatar a uma destas habitações. Se escolhida compromete-se a colaborar na construção da sua habitação, desde o seu início até que termine. Finda a construção, fica a pagar uma renda mensal que ronda os 15€ durante 20 anos. Para evitar especulação com a habitação, não é possível pagar adiantada a mensalidade e ficar com a propriedade da casa. O terreno de implantação é cedido pelo Ayuntamento e os materiais pela Junta da Andaluzia. As casas têm todas os mesmos traços gerais, para normalizar os gastos, sendo depois cada pessoa livre de acrescentar ou modificar partes da estrutura. A casa padrão tem cozinha, sala e quintal na zona térrea e três quartos no primeiro andar. Pareceu-nos um local aprazível para se viver, a preços muito acessíveis, sendo a habitação realmente um direito de quem vive em Marinaleda.
Findo o almoço, foi tempo de nos reencontrarmos com o Rafa para conhecermos as casas auto-construídas. Sendo ele um dos habitantes dessas casas, pode explicar-nos em primeira mão como funciona esta proposta habitacional. Qualquer pessoa que viva em Marinaleda há pelo menos quatro anos se pode candidatar a uma destas habitações. Se escolhida compromete-se a colaborar na construção da sua habitação, desde o seu início até que termine. Finda a construção, fica a pagar uma renda mensal que ronda os 15€ durante 20 anos. Para evitar especulação com a habitação, não é possível pagar adiantada a mensalidade e ficar com a propriedade da casa. O terreno de implantação é cedido pelo Ayuntamento e os materiais pela Junta da Andaluzia. As casas têm todas os mesmos traços gerais, para normalizar os gastos, sendo depois cada pessoa livre de acrescentar ou modificar partes da estrutura. A casa padrão tem cozinha, sala e quintal na zona térrea e três quartos no primeiro andar. Pareceu-nos um local aprazível para se viver, a preços muito acessíveis, sendo a habitação realmente um direito de quem vive em Marinaleda.
Terminado
o tempo de visita, que foi muito mais curto do que aquele que nos
permitiria entrar nos pormenores, rumámos em direcção a El Coronil para
visitar o Centro Obrero Diamantino Garcia onde reúnem os activistas do
SOC. Aqui explicaram-nos como o sindicato funciona e a experiência que
têm tido com a actividade partidária. De lembrar que nos anos 80 o SOC
criou um partido político, a CUT – Colectivo de Unidade dos
Trabalhadores, que se inseriu numa plataforma de movimentos de esquerda,
todos agrupados sob o nome de Izquierda Unida. À semelhança de
Marinaleda, as decisões mais importantes são tomadas em assembleia
geral, de certa forma como acontece com as cooperativas em Portugal, mas
com a diferença de que na Andaluzia, fruto da cultura local, existem de
facto inúmeras assembleias por ano. Enquanto El Coronil foi um
município dirigido pela CUT manteve-se a mesma forma de funcionamento do
SOC, sendo os/as vereadores/as eleitos/as executantes da vontade
popular.
Um facto importante que nos
foi relatado é a dificuldade existente em activar as camadas mais jovens
da população, já que estas se apresentam na maior parte das vezes
desinteressadas da luta política - política, não partidária, convém
sempre frisar – a luta que lhes permitiu melhorar as suas condições de
vida e permite ir respondendo aos ataques do capital, do despovoamento e
da alienação. Mesmo assim o SOC tem feito inúmeros workshops sobre
sindicalismo dirigidos aos mais jovens.
Outra
experiência iniciada pelos vereadores ligados ao SOC foi a das hortas
comunitárias para reformados. O município cedeu terrenos aos reformados
que podem assim ocupar o seu tempo livre cultivando produtos hortícolas.
Finda
a visita, voltámos à nossa base em Benamahoma, para a última noite
antes do regresso e para conversas descontraídas à volta de música e
vinho.
Terça-feira, foi o dia de visitar o último local a que nos tínhamos proposto, a cooperativa La Verde
de Villamartín, onde uma acção de florestação há alguns anos torna
possível um ambiente fresco mesmo em dias de sol outonal ainda quente.
Espreitámos a estufa com as pequenas plantas a nascer, vimos o banco de
sementes e conversámos com as duas padeiras, que preparavam a massa,
cerca de 70 quilos, para vir a ser cozida no forno tradicional e que
dará para os pedidos que lhes foram encomendados.
Foram horas mais descontraídas, em que o caminho de regresso e os planos que queríamos alinhavar nos começavam a ocupar mais a mente. Tempo de despedida de quem nos abriu as portas das suas casas e nos mostrou o espírito que anima os seus afazeres diários. Última oportunidade para nos imbuirmos desse mesmo espírito, dessa mesma garra e trazê-la para Portugal, para inspirar toda a gente que neste lado deseje construir uma vida assente na emancipação, participação e solidariedade.
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